O mundo que você reclama é o mundo que seu cérebro aprende a enxergar

0


O que muita gente chama de “reclamar do mundo” costuma ser, na verdade, um espelho bem fiel de si mesma. A pessoa passa o dia rodando um script interno previsível: “ninguém presta”, “nada dá certo”, “o Brasil não tem jeito”, “parece que Deus me esqueceu”. Ela acredita que está só desabafando, mas, na prática, está treinando o próprio cérebro a enxergar a realidade por esse filtro.


A neurociência dá nome a isso: viés da negatividade. O cérebro humano dá muito mais peso ao que é negativo do que ao que é positivo. Isso não é opinião, é biologia. Para piorar — ou tornar tudo mais interessante — o cérebro processa algo perto de um trilhão de bits de informação por segundo, mas apenas cerca de dois mil chegam ao córtex pré-frontal, a parte consciente. Todo o resto passa por um sistema de triagem chamado Sistema Reticular Ativador, o RAS. Eu gosto de chamá-lo de porteiro da mente.


Esse porteiro só deixa entrar na consciência aquilo que combina com o que você já considera importante. Se alguém passa anos reclamando, repetindo as mesmas ideias, pensando do mesmo jeito, essa pessoa ativa quase sempre os mesmos circuitos neurais. E existe uma regra básica na neurociência: neurônios que disparam juntos, se ligam juntos. Cada repetição fortalece a sinapse. Cada queixa reforça o caminho.


O resultado é previsível. O cérebro vira um radar caçador de problemas. O porteiro filtra a realidade inteira para destacar exatamente aquilo que confirma a reclamação antiga. A psicologia chama isso de profecia autorrealizável. A expectativa molda o comportamento, o comportamento molda a experiência, e a experiência volta como prova da crença. Na linguagem da consciência, isso é projeção pura.


A pessoa acredita que o mundo é injusto, então se relaciona com o mundo a partir desse medo. O cérebro, obediente, só exibe cenas que combinem com essa narrativa. E no final ela ainda diz, triunfante: “Tá vendo? Eu tinha razão”. Como se tivesse descoberto uma verdade profunda, quando na realidade só confirmou o próprio condicionamento.


O mundo não é bom nem ruim por si só. Ele é amplamente indiferente. O que muda é o script interno que está rodando em loop. Na física quântica, fala-se do observador colapsando a realidade. Na neurociência, fala-se de foco moldando o cérebro. Na metafísica, diz-se que o campo responde à vibração interna. Linguagens diferentes, apontando para o mesmo fenômeno.


Talvez o ponto mais desconfortável seja este: nada vai mudar lá fora enquanto a pessoa continuar protegendo, com unhas e dentes, essa identidade viciada em reclamação. Porque, no fundo, reclamar vira um tipo de lar psicológico. Um lugar conhecido. E o cérebro prefere um inferno familiar a um paraíso desconhecido.


A realidade responde. Não ao discurso bonito, mas ao padrão repetido. O resto é só o porteiro fazendo o seu trabalho.

Tags

Postar um comentário

0 Comentários

De maneira inteligente, contribua com sua opinião nos comentários!

Postar um comentário

#buttons=(Aceitar Cookies!) #days=(20)

Nosso site usa cookies para melhorar sua experiência. Saber mais
Ok, Go it!